I. Introdução:
Na atualidade, muito se tem discutido sobre a questão da sustentabilidade no ramo empresarial. Certo é que as empresas, principalmente as cujo foco é produção ou exploração de determinado recurso ambiental, devem ter o acompanhamento do Poder Público para que possam exercer a atividade da maneira menos prejudicial ao meio ambiente.
Essa intervenção do Poder Público nas atividades empresariais se dá por meio do licenciamento ambiental. Esse sistema visa assegurar que o meio ambiente seja devidamente respeitado nos casos de instalação e operação de empreendimentos e obras.
Necessário lembrar que esse procedimento acarreta numa serie de questões das mais variadas ordens, como a ecológica, a econômica, a cultural, a jurídica e a social.
O presente trabalho tem por objetivo estudar as questões do licenciamento ambiental numa visão mais profunda que envolve não somente o ato jurídico em si, mas as questões subjetivas desse procedimento, como a ponderação dos princípios constitucionais que envolvem o tema, a conceituação técnica e a questão histórica que determinou a necessidade de se regular essas atividades no quesito de impacto ambiental.
II. Contexto Histórico do Licenciamento Ambiental
Como marco histórico do início do impacto das atividades empresariais no meio ambiente, temos a Revolução Industrial, que certamente trouxe impacto negativo no meio ambiente devido a utilização desordenada de recursos naturais e a falta de preocupação e de entendimento de que os recursos ambientais são limitados.
Com o desenvolvimento industrial veio também a questão da globalização, que estendeu a possibilidade de troca de produções entre os mais variados países. Dessa maneira, temos que o meio ambiente foi diretamente impactado com a produção alarmante e utilização de recursos naturais com o despejo de resíduos tóxicos na natureza. As empresas só tinham em mente a questão do lucro e ignoraram a questão de que a atividade que o gerava era totalmente prejudicial ao meio em que se vive.
Fato é que, com o desenvolvimento da sociedade, a população começou a crescer e verificamos a inexistência da preocupação com o planeta. Era necessário conscientizar a população de que os recursos ambientais são limitados e que, a busca inacabável pelo lucro poderia trazer sérios problemas ao planeta e, consequentemente, à humanidade.
Nesse contexto e, devido ao desenvolvimento das ciências e tecnologias, foi possível perceber que determinadas atividades eram totalmente prejudiciais ao meio ambiente. A atividade que causava um enorme lucro às empresas, advinha de um fator negativo, que era a degradação dos recursos ambientais.
Diante dessa situação e, com os problemas ambientais que sociedade sofre na atualidade, como poluição, buraco na camada de ozônio, escassez de recursos hídricos, desmatamento, lixo e etc, concluiu-se que não seria ético que as empresas que causam esses danos ao meio ambiente, explorassem totalmente os recursos sem nenhum tipo de limitação ou controle para que fosse diminuído esse impacto que causa nos meios.
Daí, diante do surgimento de uma preocupação coletiva da sociedade em preservar o meio ambiente, tendo ciência que os recursos são limitados e que ele deve ser preservado, os ordenamentos jurídicos criaram a questão do licenciamento ambiental para diminuir esse impacto empresarial no planeta.
III. Definição de Licenciamento Ambiental
O licenciamento ambiental apresenta-se como um dos instrumentos de regulação e controle da atividade econômica no intuito de garantir a produção de riquezas, desde que não haja o comprometimento da qualidade de vida das gerações atuais e futuras, criando condicionantes para o exercício de atividades potencialmente poluidoras.
No entanto, essas medidas restritivas determinadas pelo Poder Público devem, obrigatoriamente ser analisadas com base em outras limitações, que são os próprios Direitos Fundamentais consagrados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, de modo que as limitações não podem de forma alguma serem desnecessárias nem desarrazoadas.
Do ponto de vista legal, a definição de licenciamento ambiental encontra-se na Resolução 237/97 do CONAMA, art. 1º, inciso I:
Art. 1º - Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
Nesse sentido, explica Maria Luiza Machado Granziera:
"O licenciamento ambiental é o instrumento de análise dos empreendimentos e atividades potencial ou efetivamente degradadores ou poluidores, à luz da necessidade da proteção do ambiente, de acordo com a lei".
Desta forma, o licenciamento ambiental é o processo administrativo complexo que tramita perante a instância administrativa responsável pela gestão ambiental, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, e que tem como objetivo assegurar a qualidade de vida da população por meio de um controle prévio e de um continuado acompanhamento das atividades humanas capazes de gerar impactos sobre o meio ambiente.
A licença ambiental é uma espécie de admissão com prazo de validade concedida pela Administração Pública para a realização das atividades humanas que possam gerar impactos sobre o meio ambiente, desde que sejam obedecidas determinadas regras, condições, restrições e medidas de controle ambiental. Ao receber a licença ambiental, o empreendedor assume os compromissos para a manutenção da qualidade ambiental do local em que pretende se instalar e operar.
IV. Da Ponderação de Princípios
A busca pelo desenvolvimento sustentável, ao implicar na intervenção estatal no domínio econômico, limita diretamente determinados princípios consagrados na Constituição Federal, que são principalmente os de livre iniciativa, da autonomia privada e da proteção à propriedade.
Como dito anteriormente, existe a restrição à livre iniciativa para o exercício de atividades econômicas que demandem uma grande utilização dos recursos naturais, na busca de garantir a preservação de um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Por outro lado, se faz extremamente necessário aceitar que, se todos os requisitos legalmente impostos ao particular foram estritamente cumpridos por ele, ainda que a atividade seja considerada poluidora, esse particular terá o direito subjetivo assegurado de exercê-la, já que a livre iniciativa constitui direito fundamental do cidadão (art. 170, caput, da CR/88), inerente ao direito de liberdade.
Então, dependendo de qual atividade se tratar, o licenciamento ambiental aparece com o objetivo de criar condicionantes para o exercício de atividades potencialmente poluidoras, só que sem impossibilitar o próprio exercício dela, pois não se pode aceitar que seja feita uma limitação incondicional sem nenhuma justificativa, bem como não será aceitável que qualquer outra medida que vise a restringir a livre iniciativa em benefício do meio ambiente não seja devidamente motivada.
A busca da conciliação entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental veio com a Constituição Federal de 1988, no capítulo que trata dos Princípios Gerais da Atividade Econômica. O art. 170, VI, coloca a defesa do meio ambiente como um dos princípios do desenvolvimento. Em outras palavras, não se justifica mais o desenvolvimento econômico se não houver a consequente defesa do meio ambiente.
O desenvolvimento econômico implica na utilização de bens ambientais, que são utilizados como matéria prima, e a lei, ao permitir que esses bens sejam usados visando o desenvolvimento da economia, impõe limitações aos empreendedores visando a preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Isso é justificado pelo fato de que, como os recursos naturais e os bens ambientais são finitos, não se pode admitir que sejam utilizados indiscriminadamente, ou seja, sem qualquer preocupação com a sua preservação, pois isto iria leva-los à extinção.
Então, fica demonstrado que apesar de ser permitido o desenvolvimento econômico, é necessário fazer, previamente, um planejamento baseado em um estudo do impacto que essa atividade puder causar ao meio ambiente, a fim de que os recursos ambientais não se esgotem.
E é ai que surge a licença ambiental, se fazendo necessária para o desenvolvimento de qualquer atividade empresarial de risco. De fato, qualquer atividade empresarial gera algum impacto no meio ambiente e esse impacto é, na maioria das vezes, negativo. Em vista disso a empresa terá que se responsabilizar pela poluição que produziu e pelo impacto ambiental que causou, devendo assumir todos os custos para reparar o meio ambiente afetado. Isso se relaciona principalmente com os princípios da Precaução e do Poluidor-Pagador.
O principio do Poluidor-Pagador esta na contido Lei nº 6.938/1981, art. 4º, VII. Ela busca a “internalização das externalizadas negativas”, aferindo os custos da degradação e escassez dos recursos, imputando ao degradador pagar pelo custo social da deterioração gerada pela atividade/obra desenvolvida, pois obviamente quem devera arcar com o pagamento é quem teve o controle da produção/obra, retirando essa obrigação do Estado/sociedade.
A aplicação principio do Poluidor –Pagador pressupõe a prevalência da defesa do meio ambiente em detrimento da livre iniciativa, e é verificado pelas condicionantes criadas ao exercício de atividades potencialmente poluidoras. Não se pode perder de vista que a livre iniciativa, assim como a proteção ao meio ambiente é um direito fundamental, sendo essencial para a promoção dos direitos sociais garantidos na Constituição.
O principio da proporcionalidade em sentido estrito, consiste, como o próprio nome já diz, em ser proporcional à restrição imposta, em relação ao objetivo pretendido, exigindo-se um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que ele colide.
Na concepção de Robert Alexy:
Quanto maior for o grau de não-satisfação de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro. Quando uma norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um princípio antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. (...). Visto que a aplicação de princípios válidos – caso sejam aplicáveis – é obrigatória, e visto que para essa aplicação, nos casos de colisão, é necessário um sopesamento (...)
O Poder Público deve buscar, em cada caso, a ponderação entre os princípios conflitantes (livre iniciativa e proteção do meio ambiente), levando-se em consideração as peculiaridades de cada caso concreto. A ponderação não pode acarretar ofensa ao núcleo intangível dos direitos fundamentais, preservando-se ao máximo as garantias individuais do cidadão.
Assim, somente em razão de algum interesse público essencial, essa atividade poderá sofrer limitações.
Segundo Paulo Affonso Leme Machado:
“Atividade da Administração Pública que limita o exercício de direito, interesse ou liberdade; regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão do interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza”.
Nesse sentido podemos inferir que o licenciamento ambiental deve guardar estreita relação com a finalidade pública para a qual foi proposto.
A ponderação consiste em estabelecer-se uma hierarquia axiológica móvel entre os princípios em conflito. Isso implica em que se atribua a um deles uma importância ético política maior, um peso maior do que o atribuído ao outro. Essa hierarquia é móvel porque instável, mutável: vale para um caso mas pode, a qualquer momento inverter-se, como em geral se inverte, em um caso diferente.
É possível falar que em determinados casos, o Poder Público vai poder escolher priorizar um dos princípios constitucionais em jogo, ainda que em detrimento de outro direito fundamental, porque mesmo os direitos fundamentais mais protegidos pelo ordenamento constitucional poderão, dependendo do caso, serem relativizados na busca do interesse público a ser tutelado no caso concreto. Não existe, assim, um direito fundamental absoluto, de forma que nem as liberdades individuais serão sempre asseguradas de forma plena, nem tampouco os direitos difusos.
O princípio da proporcionalidade apresenta-se como um instrumento de conciliação diante da colisão de direitos fundamentais antagônicos, mas sempre deve ser observado que diante de um conflito se faz imprescindível buscar a mínima intervenção nas liberdades constitucionalmente asseguradas ao cidadão. O ponto de equilíbrio do sistema, pois, é a prevalência de um princípio sobre o outro em um caso concreto, sem que implique o perecimento do direito fundamental sobreposto. Embora em um primeiro momento possa parecer existir alguma hierarquia entre princípios, não há direito fundamental absoluto, ou de hierarquia superior, nem tampouco uma fórmula abstrata que determine a prevalência a prioride um princípio sobre o outro, pois são as particularidades do caso concreto, que irão proporcionar o substrato fático para a decisão do Poder Público.
Na mesma visão, aduz Paulo Bonavides:
“Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencial mente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado”.
Ao mesmo tempo em que o princípio da proporcionalidade garante a tutela do interesse da coletividade (defesa do meio ambiente), não pode implicar no esvaziamento das liberdades econômicas consagradas pela Constituição de 1988.
Portando, o poder de polícia, ao impor limitações ao exercício do direito fundamental de livre iniciativa, consubstanciado no licenciamento ambiental, somente pode ser manifestado quando for inevitável para a consecução do interesse público, devendo resultar o mínimo possível de intervenção estatal possível na livre iniciativa e na propriedade privada, ou seja, eles devem ser excepcionais, só podendo serem exercidos exclusivamente nos casos em que não seria possível adotar uma medida menos gravosa sobre a liberdade individual do cidadão.
As limitações devem ser justificadas, portanto, sob o prisma da necessidade das restrições das liberdades econômicas, demonstrando que não haveria outro meio mais eficaz e menos gravoso para atingir a finalidade substanciada no licenciamento ambiental, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade.
No que se refere o licenciamento ambiental, o Poder Público deve levar em consideração, a livre iniciativa como direito fundamental de suma importância, pois é principalmente através dela que o desenvolvimento econômico pode ser promovido, bem como a consecução dos direitos sociais previstos na Constituição. Portanto, sua limitação deve ser encarada de forma excepcional, em conformidade com o regime constitucional do Estado Democrático de Direito.
E a inexistência de hierarquia constitucional entre os princípios do livre direito de empreender e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Verificamos que o conflito será sempre entre o direito “dos outros” e o direito “do particular”.
O direito ao meio ambiente protegido é direito difuso, o que significa que pertence a todos como direito humano fundamental, consagrado nos Princípios 1 e 2 da Declaração de Estocolmo (1972) e reafirmado na Declaração do Rio (1992), pela qual foi reconhecido como essencial ao bem-estar e à vida humana.
O Estado de Direito, sobre o aspecto da limitação das liberdades individuais tem caráter negativo, tendo como mandamento o “non facere”.Ainda assim, não restringe “in totum” o exercício da liberdade individual sobre o aspecto da livre iniciativa econômica, ressalvando que, se dela emergiram efeitos nocivos de caráter ambiental, seu autor está obrigado a adotar medidas que compensem e/ou mitiguem os danos emergentes.
Em outras palavras, consiste basicamente no pagamento que deve ser feito por quem usar de um recurso difuso, uma vez que o particular tirou proveito dele, gerando suas riquezas em detrimento de um patrimônio pertencente a toda coletividade.
Certo é que o Poder Público não deve ser visto como autoridade existente para subjugar a liberdade profissional e empresarial das pessoas físicas e jurídicas. Mas, também, não poderá ficar omisso ou indiferente diante do uso do meio ambiente, do tratamento do consumidor, da busca do emprego e da redução das desigualdades frente à liberdade profissional e empresarial.
[Beatriz Moreira Soares de Oliveira]
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