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Por Albenir Querubini
07/11/18 | Geotecnologia Gestão ambiental e territorial
Artigo - O presidente e a Amazônia
Evaristo de Miranda¹
As eleições presidenciais também trouxeram debates e polêmicas sobre ocupação
e preservação da Amazônia. Visões alarmistas denunciaram a iminente devastação
florestal, o abandono das políticas de conservação e a agropecuária como vetor de
florestal, o abandono das políticas de conservação e a agropecuária como vetor de
devastação. Até o The Economist vaticinou sobre o tema. Mas qual a situação
efetiva da proteção e da preservação da vegetação nativa no bioma Amazônia?
Qual o papel das políticas públicas na manutenção das florestas? Qual
a parte do mundo rural na preservação? Pesquisa recente da Embrapa traz
respostas objetivas a essas indagações e aponta o real desafio amazônico do
novo Presidente da República.
A proteção da vegetação nativa. No Brasil, o bioma Amazônia ocupa cerca
de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, praticamente a metade do país (49,4%).
Ele engloba Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, além de parte do
Mato Grosso, Maranhão e Tocantins.
As Unidades de Conservação de Proteção Integral, como Estações Ecológicas e
Parques Nacionais, são 204 no bioma Amazônia e totalizam uma área superior a
76 milhões de hectares. Elas recobrem 18% do bioma, excluem a presença humana
e não admitem qualquer atividade produtiva. Reservas Extrativistas (Resex)
e de Desenvolvimento Sustentável (RDS) não fazem parte desse conjunto de
proteção integral.
Também há 330 Terras Indígenas legalmente atribuídas no bioma Amazônia, sob
a gestão da FUNAI. Elas totalizam quase 107 milhões de hectares e recobrem 25,4%
do bioma.
Existem sobreposições entre as 534 áreas atribuídas a meio ambiente e povos
indígenas. Descontadas as sobreposições, elas totalizam 171,5 milhões de hectares
de áreas protegidas e 40,8% do bioma.
As áreas militares, cadastradas com florestas nacionais, totalizam cerca de 2,7 milhões
de hectares e 0,6% do bioma Amazônia. No total, unidades de conservação integral,
terras indígenas e áreas militares protegem hoje 174,2 milhões de hectares ou 41,4%
do bioma.
A preservação da vegetação nativa. Até o advento do Cadastro Ambiental Rural
(CAR), a contribuição dos agricultores, pecuaristas e extrativistas à preservação
ambiental na Amazônia era subestimada e pouco conhecida. Criado e exigido
pelo Código Florestal (Lei 12.651/12), esse registro eletrônico obrigatório tornou-se
um relevante instrumento de planejamento agrícola e socioambiental.
Até agosto de 2018, no bioma Amazônia, registraram-se no CAR mais de 468.000
imóveis rurais, incluindo Resex e RDS. A Embrapa Territorial analisou esse bigdata
geocodificado. E mapeou com 10 metros de detalhe a área dedicada à preservação
da vegetação nativa em terras extrativistas e de agropecuária, em cada imóvel rural,
município, microrregião, estado e no bioma (https://www.embrapa.br/car). Uma área
total de 103,1 milhões de hectares está dedicada à preservação da vegetação nativa
pelo mundo rural. Isso corresponde a 24,6% do bioma Amazônia e a 64% da área
dos imóveis. Ou seja, o mundo rural preserva, em meio às suas atividades produtivas,
um quarto do bioma Amazônia e dois terços de seus imóveis.
Um bioma protegido e preservado. Em resumo: as 534 áreas de proteção mais
estrita (unidades de conservação integral e terras indígenas) totalizam 171,5 milhões
de hectares e alcançam 40,8% do bioma Amazônia. Com as áreas militares essa
porcentagem chega a 41,4%. Em mais de 468.000 imóveis rurais, pelos dados do
CAR, as áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa totalizam 103,1
milhões de hectares ou 24,6% do bioma.
O total de áreas legalmente protegidas e preservadas, devida e detalhadamente
mapeadas, é de 277,3 milhões de hectares, 66,1% ou dois terços da Amazônia. Para
o mundo rural e para os órgãos governamentais, isso implica num grande custo
operacional e patrimonial, ainda por calcular.
Sem descontar áreas urbanas e de mineração, cuja dimensão é muito pequena em
relação ao total da região, existem ainda cerca de 83,8 milhões de hectares passíveis
de ocupação no bioma Amazônia. Em sua maioria, são áreas inundáveis, superfícies
hídricas do rio Amazonas e terras pouco propícias ao extrativismo e à agropecuária,
sem acesso logístico. Em boa parte, trata-se de terras devolutas.
O real desafio. Mesmo diante da hipótese muito pouco provável de uma futura
ocupação integral dessas áreas pelo mundo rural, o Código Florestal já impõe o
limite de 20% para uso e exploração (desmatamento legal). A área de reserva legal
prevista para a vegetação nativa é de 80%. Assim, cerca de adicionais 67 milhões
de hectares, ou 16% da região, já estão previa e legalmente destinados à preservação,
por exigência do Código Florestal.
O país já abriu mão de explorar e usar 82% do bioma Amazônia, com todas
essas áreas legalmente destinadas à proteção e à preservação da vegetação nativa.
Uma área maior do que a Índia! Esse fato precisa ser melhor conhecido e reconhecido.
Qual país de mundo dedica 3,5 milhões de quilômetros quadrados à preservação?
Tente alguém propor essa área em preservação aos Estados Unidos, Canadá,
Rússia ou China. A proteção ambiental da Amazônia é um exemplo sem equivalente
no planeta, em valores absolutos e relativos, como atestam documentos internacionais
(IUCN, 2016. Protected Planet Reports).
O desafio do Presidente Jair Bolsonaro não é criar mais áreas de conservação, mas,
sim, fazer cumprir o Código Florestal e garantir a gestão das áreas já atribuídas,
públicas e privadas. E encontrar meios de cobrar dos beneficiários, urbe et orbi, pelos
serviços ambientais da preservação da nossa Amazônia. Manter a integridade
desse imenso patrimônio natural, sobretudo face a atividades ilegais, exige mais
recursos e menos alarme.
¹ Doutor em ecologia, chefe-geral da Embrapa Territorial
Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo, no dia 07 de novembro
de 2018.
Embrapa Territorial